31 de outubro de 2011

No trilho da felicidade. Rumo à santidade!

Acertada contradição!

Palavra contraditória!
Quem a pode escutar, ó Cristo?
Como podes querer que Te sigamos
Se estamos tão longe da tua lógica.

Pois, é verdade, e já quase me esquecia.
A tua lógica não tem lógica.
A tua lógica supera sempre a própria lógica.

Então, são felizes os pobres em espírito
Quando meio mundo anda atrás do euromilhões
E outra metade atrás de riquezas e “jackpots”?

São felizes os mansos 
Quando na sociedade os fortes é que vingam?

São felizes os que choram, ó Cristo?
Como é possível se todos buscam o bem-estar, o riso, a comédia...
E ninguém quer ouvir falar de dor, de sofrimento e de privação?

Dizes que são felizes os que anseiam cumprir a vontade de Deus 
e o mundo toma como lei maior a não dependência de preconceitos velhos 
ou de qualquer autoridade?

Como podes apontar a felicidade dos misericordiosos 
quando já ninguém se comove com a miséria e o sofrimento dos outros? 

Ó Cristo, que palavra lancinante e aguda é esta que nos envias como espada!

Ainda dizes que são felizes os puros e os sinceros de coração 
e a sociedade e os tribunais estão entupidos de casos de corrupção, 
de mesquinhez, de mentira e de esquemas e favorecimentos.

Para ti, os que constroem a paz são felizes, 
mas o mundo está cheio de guerra, de lutas, de oposições. 
Parece que só pela força e pela violência se vence e se singra. 

E como entender que quem é perseguido pode ser feliz 
quando o mundo apregoa a liberdade total, a ausência de autoridade 
e a presença nos jogos de poder 
já que só com esses se pode subir na vida?

É mesmo uma palavra inaudível!
Não a consigo escutar sem me arrepiar!

O nosso mundo parece provar que é utópica, sem lugar concretizável.

O que me pedes e a todos é um coração pobre.
Só um coração pobre está disponível para seguir o trilho e o roteiro das bem-aventuranças.

Quero comprometer-me de novo e uma vez mais a encetá-lo 
Mesmo sabendo que vou contra-corrente.

Vou atrás daquele – Cristo – que ousou ir por outro lado, ousou ser diferente.

Vou com Ele e sou feliz
A caminho da santidade.

Pe. JAC
Todos os Santos

29 de outubro de 2011

Dizer e fazer: Eis a questão!


1. A Palavra de Deus, neste 31.º domingo comum, alerta-nos para a importância do ser, da harmonia entre o dizer e o fazer, da coerência entre o ensino e a vida. Hoje, Jesus, na continuação da luta estabelecida com as "cabeças pensantes" do seu tempo, denuncia os «mestres da suspeita», os que dizem mas não fazem. Os que se sentam na cadeira, como Mestres e Doutores, mas não gozam da autoridade como testemunhas fiáveis e credíveis. Podem ser escutados, mas não devem ser seguidos. São bons instrutores. Mas péssimos educadores. São bem-falantes, mas maus praticantes. É uma denúncia veemente, uma crítica dura que visa sobretudo a classe religiosa e sacerdotal, se quisermos, a classe dirigente, mas que nos atinge a todos. Em última instância, esta palavra leva a ver com que linhas nos cosemos.

2. Jesus fala com a habitual indignação profética. Para todos os tempos, e em especial para o que nos é dado viver. Desafio muito directo aos que, na comunidade cristã, temos a missão da animação, da educação e do ensino. Sim! Desafio, em primeiro, aos bispos, aos padres e diáconos, mas aberto a todos os crentes, em geral, desafiados à humildade e ao serviço como opção e como estilo de vida.

3. No evangelho que ouvimos proclamar, Jesus "puxa as orelhas":
a) aos que não fazem o que dizem. O nosso maior pecado é a incoerência. Não vivemos o que dizemos. A nossa conduta desacredita-nos. Às vezes, tantas se calhar, guiamo-nos pelo dito "se não os podes vencer junta-te a eles".  Os cristãos, esquecemos facilmente que o nosso exemplo de vida mais evangélico será motor de transformação do nosso mundo e do nosso tempo.
b) aos que atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos outros, mas eles nem com o dedo os querem mover. É bem certo. Com frequência, somos exigentes e severos com os outros, mas sempre muito compreensivos e indulgentes connosco. O que exigimos aos outros não o imaginamos sequer para nós...
c) aos que fazem as coisas para serem vistos pelos homens. Não podemos negar que é muito fácil viver pendentes e dependentes da nossa imagem, procurando quase sempre “ficar bem” perante os outros. Nunca como nos nossos dias se cultivou tanto a cultura da aparência. Nunca se usaram tantas máscaras. Estamos sempre mais atentos ao nosso prestígio pessoal e bem estar...
d) aos que gostam do primeiro lugar nos banquetes e dos primeiros assentos nas sinagogas, das saudações nas praças públicas. Dá-nos vergonha confessá-lo, mas gostamos tanto destas honrarias. Procuramos ser tratados de forma especial. Queremos que nos tratem com critérios diferentes dos usados para a "plebe"...
e) aos que se  deixam tratar por ‘Mestres’… e doutores. O mandato evangélico não pode ser mais claro: renunciemos aos títulos para não fazermos sombra a Cristo; orientemos apenas e só a atenção apenas para Ele.

4. Esta palavra desafiadora de Jesus pode ligar-se perfeitamente à educação das gerações mais jovens, dos filhos, com todas as problemáticas que lhe estão inerentes, e que vamos assistindo. Mas, o que não pode sociedade nenhuma esquecer é que «a autoridade do mestre, em educação, passa mais pelo que ele vive e faz e não só pelo que diz. O testemunho da vida é a forma simples e espontânea de irradiar valores e a credencial das palavras que se comunicam» (CEP, Educação, 14).

5. Não podemos ficar com a ilusão de que darmos uma boa educação, simplesmente pelo facto de ocuparmos os filhos em muitas aprendizagens, da natação ao desporto, da catequese à informática, do balet ao que quer que seja. Não durmamos descansados, só porque entregamos os filhos a instituições de suposta ou reconhecida qualidade. Não nos tranquilizemos, simplesmente porque ainda mandamos bem e temos mão nos filhos. Tudo isso é pouco ou quase nada. Se pai e a mãe não oferecerem, como verdadeira família, um ambiente animado pelo amor e firmado pelo testemunho. Sem essa atmosfera, sem esse clima não há educação. E o trabalho do professor, do padre e do catequista, de qualquer educador, estará seriamente comprometido.

6. Este aviso, quase "puxão de orelhas, que nos brota da palavra proclamada é para ser levado a sério, por todos. Com a paciência do costume, Jesus vai-nos educando a mente e o coração, para sermos melhores discípulos. Aprendamos Dele e com Ele. A coerência, a simplicidade, a verdade, a honestidade, o testemunho, por palavras e obras, é, talvez, o maior e mais urgente desafio aos que nos dizemos e somos, afectiva e efectivamente, cristãos neste tempo.

7. Aos que nos alimentamos da Palavra e do Pão da Eucaristia não esqueçamos uma regra de ouro: “crê o que lês, ensina o que crês, vive o que ensinas». Só assim seremos discípulos verdadeiros de Jesus Cristo.


Pe. JAC

24 de outubro de 2011

Um coração que não cabe no peito!

Um coração que não cabe no peito!
30.º domingo comum. Ano A

1.Celebramos o 30.º domingo do Tempo Comum e, cumulativamente, o Dia Mundial das Missões. Na Mensagem escrita para este dia, Bento XVI diz que a missão e a evangelização são dimensões essenciais da Igreja e tarefas urgentes, num tempo e num mundo cada vez mais secularizado que faz com que muitas pessoas vivam como se Deus não existisse. «O Evangelho não é uma propriedade exclusiva de quem o recebeu, mas um dom a ser partilhado e comunicado", escreve o Papa, reiterando a ideia de que todo o baptizado é missionário no seu meio e ambiente.

2.Ao ritmo da nossa liturgia semanal, neste esforço semanal de irmos aprendendo com Jesus, a sermos missionários e os discípulos que Ele quer que sejamos, somos confrontados com uma das questões mais fundamentais e centrais para a vivência prática da nossa fé. Qual é, afinal de contas, o mandamento maior pelo qual devemos reger a nossa conduta e a nossa acção?

3. Mergulhemos neste Evangelho, onde se reflecte a continuada “perseguição” dos grupos religiosos do velho Israel a Jesus. Reparemos que, da política ao catecismo, os fariseus continuam a experimentar Jesus em todas as matérias. Eles querem mesmo “fazer-lhe a folha!”. Passamos da questão fiscal (do imposto e do tributo a César, que ouvimos na semana passada), ao problema moral (da lei que deve reger a vida do crente). Agora a dúvida é sobre os mandamentos da Lei de Deus! E é pressuposto que o “Mestre Jesus” tenha uma resposta clara.

4.«Qual é o maior mandamento da Lei de Deus»? - perguntou um doutor da lei a Jesus. Convenhamos, e até entendemos, que numa floresta quase impenetrável de obrigações e proibições da Torá (composta por 613 preceitos), a que o judeu piedoso se obrigava todos os dias, era difícil saber por que mandamento começar, qual deles tinha a primazia e precedência. A pergunta sobre o maior mandamento era no fundo a pergunta sobre «qual mandamento, que, uma vez cumprido, garantia prática de todos os outros»?!

5. Se repararmos com atenção, na resposta de Jesus, não há lá palavras novas. Jesus serve-se de dois textos já muito conhecidos dos velhos livros da Lei do Antigo Testamento. O primeiro, do livro de Deuteronómio, falava-nos do «amar a Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente» (Dt.6,4-5), pondo de parte um amor apenas sentimental ou religioso, para fazer deste amor a Deus uma entrega pessoal e total. O segundo texto, do livro do Levítico, referia-se a «amar o próximo como a si mesmo» (Lev.19,18), fazendo deste amor o critério de verdade do amor a Deus. Onde está então a novidade do ensinamento de Jesus? O que acrescentou Jesus, de novo, àquilo que já sabia o fariseus? A novidade da resposta, poderia resumir-se em dois sentidos:

6. Primeiro, Jesus tira-nos a ilusão religiosa ou sentimental de alguma vez podermos amar a Deus… não amando o próximo. «Os seus discípulos nunca poderão separar estes dois amores. Tal como, numa árvore, não se podem separar as raízes da sua copa: quanto mais amarem a Deus, mais intensificam o amor aos irmãos e às irmãs; quanto mais amarem os irmãos e as irmãs, mais aprofundam o amor a Deus», nas palavras de Chiara Lubich.

7.Por vezes, enganamo-nos, imaginando que é tão grande o nosso sentimento de amor a Deus, ainda que, no fundo do coração, as nossas relações com determinada(s) pessoa(s), possam não ser tão boas e perfeitas como isso. Jesus não nos permite esta veleidade ou “esquizofrenia espiritual”: de pensarmos que podemos amar a Deus, não amando realmente o irmão. São João denunciou esta mentira «piedosa» anos mais tarde, dizendo: «como podes tu dizer que amas a Deus, que não vês, se não amas o teu irmão que vês» (I Jo.4,20)?

8.Em segundo lugar, a novidade da resposta de Jesus, faz-nos ver que, de facto, não temos, dois corações, nem dois tempos, nem dois amores, para amar, tal como pensavam os fariseus. O amor a Deus e o amor do próximo têm uma mesma e única fonte: o amor de Deus. Nós podemos amá-Lo, «porque foi Ele que nos amou primeiro» (I Jo.4,10): o amor que nos é pedido é uma resposta ao Amor, que nos é dado como prenda ou presente. É pela graça deste único amor de Deus, que amamos a Deus e ao próximo. E este amor é único e simultâneo: não há um tempo agora para amar a Deus (uma hora na missa, dez minutos de silêncio ou oração, uma leitura orante da Bíblia…) e outro para amar o próximo (visitar um doente, conversar com um amigo, dar um punhado de horas em voluntariado ou num serviço à comunidade). O amor de Deus é indiviso e simultaneamente nos coloca em relação com Ele e com os irmãos.

9. A pergunta decisiva e inultrapassável que temos a fazer é: se sinto o meu coração dividido, porque estou muito pronto e generoso para amar a Deus, e tão lento e reservado para amar determinada pessoa, o que devo fazer? Só há uma forma de curar esta doença de ilusão de óptica espiritual ou esquizofrenia: a conversão. É a conversão permanente que me leva a reconhecer nesta incapacidade de amar o outro o sintoma da minha resistência a ser amado por Deus. E chagado aí, resta-nos suplicar, de joelhos, diante de Deus: «Senhor, converte-me ao teu amor» e, depois, colocar-me de pé diante dos Homens, em posição de serviço e de atenção. É de Deus que recebemos este mandamento: «quem ama a Deus, ame também o seu irmão» (I Jo.4,21).

10.Oxalá, caros irmãos, possamos ser missionários e testemunhas deste Único Amor de Deus que abraça a todos e nos impele, simplesmente, a amar.

Pe. JAC

19 de outubro de 2011

Caminho da Missão. Outubro Missionário

 

És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
A notícia, a carícia, a Ressurreição.
Passa outra vez, Senhor, dá-nos a mão,
Levanta-nos,
Não nos deixes ociosos nas praças,
Sentados à beira dos caminhos,
Sonolentos, desavindos,
A remendar bolsas e redes.
Envia-nos, Senhor, e partiremos e pão
Juntos no caminho da missão.

D. António Couto

14 de outubro de 2011

“Caroço de Azeitona” de Erri de Luca

“Caroço de Azeitona” não parece muito o título de um livro donde brota a “fé” de um não crente, alguém que não tem a graça e o dom de acreditar. Mas é! Da autoria de Erri de Luca, escritor e poeta italiano, é um livro pequeno mas profundo, em muitas partes difícil de ler e de compreender. É composto por um certo percurso bíblico com passagens quer do Antigo quer do Novo Testamento, e donde brota, para mim, em especial, a frescura do fundo de um sepulcro, onde está Cristo vivo.
Leitor assíduo das Sagradas Escrituras, Erri de Luca procura a originalidade da Palavra na profundidade das palavras bíblicas donde, segundo ele, “descende toda a nossa civilização religiosa”. Tem contribuído para desmascarar o que considera ser, em muitos casos, “péssimas traduções da Escritura”. E este texto é bom exemplo disso mesmo.
Alguém que começa as suas manhãs a ler a Bíblia, no texto original, donde retira o que diz ser um punhado de versículos para que o seu dia tenha um fio condutor. É esse punhado, um “penhor de palavras duras, um caroço de azeitona para andar a girar na boca”. E este homem é não crente! Diz ele, pelo menos.

Pe. JAC
In Correio do Vouga

12 de outubro de 2011

Troquemos o instante pelo eterno!

Troquemos o instante pelo eterno
Sigamos o caminho de Jesus.
A primavera vem depois do inverno;
A alegria virá depois da Cruz!

Passa o tempo, e, com ele, as nossas vidas;
Tal como passa o bem, passa a desgraça.
Passam todas as coisas conhecidas...
Só o Nome de Deus é que não passa.

Farei da fé, vivida cada dia,
A luz interior que me conduz
À luz de Deus, da paz e da alegria,
À luz da glória, à Luz da Luz!

Hino de Hora Intermédia, da Liturgia das Horas

7 de outubro de 2011

Hoje é dia de Nossa Senhora do Rosário. Aprender na escola de Maria a ser discípulo de Jesus Cristo.
Partilho e rezo:

Sobre a morte de Maria

I

O mesmo grande Anjo que outrora
lhe trouxera a mensagem da conceção,
ali estava, aguardando a sua atenção,
e disse: o tempo do teu aparecimento é agora.
E ela perturbou-se como antes e mostrou
ser de novo a serva, assentindo profundamente.
Mas ele irradiava e, aproximando-se infinitamente,
desapareceu como que no rosto dela e mandou
aos Apóstolos que se tinham afastado
que se juntassem na casa da encosta,
a casa da Ceia derradeira. Eles vieram a passo pesado
e entraram cheios de temor: ali se encontrava posta
sobre estreito leito, aquela que tinha mergulhado
misteriosamente no declínio e na eleição,
imaculada, como criatura de indiviso coração,
escutando o coro angelical com ar maravilhado.
Então, quando os viu atrás das suas velas,
expectantes, arrancou-se ao excesso de harmonia
das vozes e ofereceu-lhes ainda as duas vestes belas,
de todo o coração, as únicas que possuía,
e ergueu a sua face para este aqui e aquele além...
(Ó fonte de inomináveis lágrimas em caudais!)

Mas ela reclinou-se nos seus requebros finais
e atraiu os céus para tão perto de Jerusalém
que a sua alma, ao escapar,
apenas teve de um pouco se elevar:
e já a levava Aquele que tudo dela sabia
para a Natureza divina a que ela pertencia.

II

Quem poderia pensar que até à sua chegada
o vasto Céu imperfeito era?
O Ressuscitado ocupara a sua morada,
porém a seu lado, havia vinte e quatro anos, estivera
um trono vazio. E todos já começavam
a habituar-se à pura ausência
que estava como que fechada, pois a ofuscavam
os raios de luz do Filho em permanência.

E assim ela também, ao entrar no Céu naquele dia,
não se dirigiu a Ele, por muito que o desejasse;
ali não havia ligar, só Ele lá se encontrava e resplandecia
numa claridade que a ela lhe doía.
Porém, como agora essa figura comovente
aos bem-aventurados se juntasse
e discretamente, luz na liz, um lugar viesse ocupar,
expandu-se então do seu ser um brilho incandescente
de tal intensidade que o Anjo que ela estava a iluminar
gritou, ofuscado: quem é esta?
Houve um silêncio de espanto. Depois todos viram em festa
Deus Pai nas alturas Nosso Senhor deter
de modo a, envolto na luz do amanhecer,
o lugar vazio, como um pouco de compunção,
se mostrar, uma réstia de solidão
como algo que ainda suportava, um nada
de tempo terreno, uma cicatriz sarada.
Olharam para ela: o seu olhar com receio aí pousou,
profundamente inclinado, como se sentisse: eu sou
a sua dor mais longa; e, de súbito, caiu para diante.
Mas os Anjos consigo a tomaram
e a apoiaram e cantaram de felicidade exultante
e a elevaram e no lugar cimeiro a colocaram.

III

Porém, diante do Apóstolo Tomé, chegado
já demasiado tarde, apareceu
o rápido Anjo, há muito para tal compenetrado,
e junto ao lugar da sepultura a ordem deu:

afasta a pedra para o lado. Queres saber
onde está aquela que comove o teu coração?
Vê: como almofada de alfazema, a jazer
se encontrou ali, em breve posição,
para que a Terra tivesse o seu odor
nas dobras, como um pano raro.
Tudo o que está morto (tu o sentes), toda a dor
Estão envoltos no seu aroma claro.

Olha para a mortalha: onde está a brancura
que a torne mais deslumbrante, sem a alterar?
A luz que emana desta morta pura
mais a iluminou do que a luz solar.

Não te admiras de quão suavemente lhe escapou?
Quase como se ela ainda aí estivesse, nada saiu do lugar.
Porém todo o Céu nas alturas se agitou:
Homem, ajoelha-te, segue-me com o olhar e começa a cantar.

Rainer Maria Rilke

3 de outubro de 2011

Bom samaritano: quem é o meu próximo?

Evangelho segundo S. Lucas 10,25-37.

Naquele tempo, levantou-se um doutor da Lei e perguntou a Jesus para O experimentar: «Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna?»
Disse-lhe Jesus: «Que está escrito na Lei? Como lês?»
O outro respondeu: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.»
Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem; faz isso e viverás.»
Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?»
Tomando a palavra, Jesus respondeu: «Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando o meio morto.
Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo.
Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão.
Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele.
No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo:'Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar.'
Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?»
Respondeu: «O que usou de misericórdia para com ele.» Jesus retorquiu: «Vai e faz tu também o mesmo.»


A parábola do bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37) leva a dois esclarecimentos importantes. Enquanto o conceito de « próximo », até então, se referia essencialmente aos concidadãos e aos estrangeiros que se tinham estabelecido na terra de Israel, ou seja, à comunidade solidária de um país e de um povo, agora este limite é abolido. Qualquer um que necessite de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo. O conceito de próximo fica universalizado, sem deixar todavia de ser concreto. Apesar da sua extensão a todos os homens, não se reduz à expressão de um amor genérico e abstracto, em si mesmo pouco comprometedor, mas requer o meu empenho prático aqui e agora. Continua a ser tarefa da Igreja interpretar sempre de novo esta ligação entre distante e próximo na vida prática dos seus membros. É preciso, enfim, recordar de modo particular a grande parábola do Juízo final (cf. Mt 25, 31-46), onde o amor se torna o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade duma vida humana. Jesus identifica-Se com os necessitados: famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, encarcerados. « Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes » (Mt 25, 40). Amor a Deus e amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino, encontramos o próprio Jesus e, em Jesus, encontramos Deus.

Bento XVI, Deus caritas est, 

De joelhos

Relendo os textos de Rina Risitano, sobre a arte de Sieger Köder:

"De joelhos.
O choro e o pecado do mundo pesam sobre ti - sustentáculo do Universo.
A escuridão e o horror precipitam-se sobre a trave da tua Cruz - o implacável e cruel juiz, os corpos atormentados das vítimas da violência e dos vícios: o pecado do mundo.
De joelhos.
O teu corpo, ó Vivente, manchado de sangue...
O teu braço direito em tensão, firme, estendido, sólido - como baluarte.
A mão direita firmemente assente sobre a pedra dura - dando apoio, segurança...
A cabeça inclinada sobre o coração, fonte da tua força.
Determinado como estás a não perder nenhum dos teus pequeninos que te foram confiados.
Tu, a pedra angular.
Tu, o pilar do Universo.
Tu carregas-nos a todos!"

1 de outubro de 2011

Onde estão os nossos frutos?

A liturgia do XXVII domingo do tempo comum põe-nos a pensar na nossa vida, com rectidão e seriedade. Trata-se de um esforço por percebermos como é que estamos a viver...
Tratados com mil cuidados por Deus, tal com escutamos na descrição feita pelo poeta-profeta, que frutos produzimos na nossa vida? Deus não nos condena, em circunstância nenhuma, mas deseja e espera de todos frutos de paz, justiça, bondade, fidelidade, mansidão e compreensão. Que cada um meta a mão à consciencia... Há caminho à nossa frente para arrepiarmos, corajosos!

[A propósito da solenidade de Cristo Rei]

  “Talvez eu não me tenha explicado bem. Ou não entendestes.” Não penseis no futuro. No último dia já estará tudo decidido. Tudo se joga nes...